quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Um visionário na corte de D. João V

FUNEDI/UEMG/ISED
Disciplina: História de Minas.
Professor: Leandro Pena Catão.
Aluno: Geraldo Henrique de Mesquita.
5º período do curso de História.

Resenha do Livro “Um visionário na corte de D. João V: Revolta e milenarismo nas Minas Gerais”.
Adriana Romeiro.
Ed. UFMG.
286 páginas.


Adriana Romeiro é a historiadora que provou o quanto é boa escritora e soube, graças ao seu trabalho com as fontes que se encontravam dispersas, fazer a ligação entre os fatos e traçar um perfil desse seu personagem: Pedro de Rates Henequim. Um homem que se envolveu com uma trama em que havia o milenarismo e o desejo de poder, que buscava por meio de suas redes clientelares alcançar seus objetivos. Como todo visionário ele falava muito e alardeava seu ponto de vista e opinião por toda parte.
Pedro de Rates Henequim, é o grande personagem do livro, que no século XVIII, se vê as voltas com o tribunal da Santa Inquisição, que após investigações, buscas, interpretações e averiguações encontra nele um heresiarca, que é destinado a ser queimado vivo posto que não renúncia de suas crenças e não volta atrás em suas opiniões. É queimado vivo, no fogo ardente em 1744, no Campo da lã.
A Santa Inquisição é a grande doutrinadora, ajustadora de condutas e aplicadora da justiça no campo religioso e no que se refere às heresias.
As acusações que pesam sobre Henequim são as de[1]:
“... os irmãos Santa Marta fazem um relato extremamente detalhado das proposições heréticas de Henequim. Acusam-no de defender o concubinato, a fornicação simples, o uso da cabala para a perfeita inteligência das escrituras, a existência de anjos machos e fêmeas e a provisoriedade das penas do inferno.”
Henequim tinha uma visão nada ortodoxa do mundo que o circunda e vê tudo com olhos críticos, e procura questionar o mundo a sua volta e as verdades propostas. Sua visão de mundo é fruto das mais variadas experiências e do contato com pessoas que comungavam das mais diversas opiniões e crenças espirituais. Ele era um produto bem acabado do meio em que viveu e de sua interação social, religiosa, econômica, etc.
Se analisarmos as diversas situações e pessoas com que Henequim teve contato, se observamos sua visão milenarista e revolta com o status quo do mundo em que viveu, notaremos que ele é um estudioso aberto ao diálogo, tolerante com as religiões que existem no mundo e busca encontrar nelas uma raiz comum. Isso leva-o a entender o mundo que o cerca usando de suas luzes pessoais, seus estudos e idéias compartilhadas com todos aqueles que conheceu e travou debates.
Sua crença de se estabelecer o Quinto Império do qual trata o livro bíblico do profeta Daniel o fez ver na figura do Infante D. Manuel, irmão de D. João V, o homem necessário e capaz de estabelecer nos trópicos brasileiros este tão esperado governo.
A autora traça um perfil completo a respeito de D. Manuel, este homem que provou seu valor em batalhas e esteve sempre envolto em tramas, sempre desejoso de alcançar um reino para si. Parece-nos, como coloca a autora que D. Manuel seria capaz de muitas coisas para conseguir ser rei. Henequim parece saber disso e procura por muitos meios encontrar o infante para poder mostrar a sua opinião e demonstrar a possibilidade de se estabelecer um Império firme e duradouro no Brasil.
Conhecedor da vida do Infante D. Manuel, Henequim via nele todas as características necessárias a um grande imperador.
Henequim teve contato com várias pessoas, que de uma forma ou de outra fez crescer dentro de si a certeza madura de que o mundo poderia ser diferente, que este mundo precisava ser modificado; para haver uma convivência pacifica entre os povos. Ele tinha a crença de que a volta do Messias estava próxima e que seria coroada com a chegada de um governante ideal, no paraíso terreal que era o Brasil.
O povo setecentista era crédulo, sentia-se envolvido fortemente pelo manto da religião e procurava ver, entender e resolver quase tudo por meio dela. É possível perceber no livro a supremacia européia do cristianismo sobre todas as religiões e a intolerância dos ditos cristãos aos que professavam outra fé. O judaísmo era visto com desconfiança. Havia uma distinção entre Cristão novo e Cristão velho, em Portugal, que criava e mantinha preconceitos. Quando da existência de alguma heresia que grassava por lá, acreditava-se ser os cristãos novos, que eram judeus que haviam-se convertido ao cristianismo, os principais envolvidos, os primeiros suspeitos por difundir essas crenças dentre o povo.
Henequim não era nenhum exemplo de homem bom, de conduta exemplar. O que o diferenciava de outros homens ou colocava um pouco a frente do seu tempo era a sua visão do mundo. Uma visão que se baseava na liberdade de opinião. Ele, aliás, fora acusado de abusar de uma menina de quatorze anos, cuja sogra o obriga debaixo de ordem policial a se casar. Com essa menina ele tem 2 filhos.
Henequim acreditava que o cristianismo precisava ser purificado. O judaísmo com suas festas tradições e costumes que eram mantidos intactos ao longo de toda a sua existência estava mais próximo desta religião primitiva, dos tempos iniciais do cristianismo. Acreditava que o cristianismo estava se corrompendo adotando novas práticas e a exegese sucessiva dos padres sobre a escritura contribuía muito para isso. Ele era mais ligado à ciência, a astronomia, a observação dos astros onde procurava explicações para as mudanças ocorridas no mundo. Acreditava também que Deus deixava sinais nos astros para o homem poder observar e corrigir sua conduta temporal.
Das muitas pessoas que tivera contato, ou pessoalmente, ou com sua obra, dentre eles alguns jesuítas, judeus, cristãos novos, etc. A título de exemplo, ele tinha conhecimento da obra do Padre Antonio Vieira, que, aliás, foi um padre que passou pelos tribunais da Santa Inquisição. Padre Antonio Vieira era conhecido por suas obras de conteúdo milenarista e por ver nas escrituras coisas diferentes do que a exegese dominante de sua época. Fora levado às barras do tribunal religioso da Santa Inquisição. Mas podemos claramente perceber que mesmo depois de morto, e suas obras sendo criticadas e não aceitas pela Igreja, seu pensamento continuou a circular e encontrava-se muitos que o liam e difundia as idéias presentes em sua obra.
A igreja pregada por Padre Antonio Vieira seria aquela baseada na solidariedade e no espírito de comunidade que deveria haver entre seus membros.
É certo que no Brasil, assim como também em Portugal, as crenças milenaristas, a colocação dos idílios e sonhos da Igreja (Diga-se sonhos dos visionários que viam uma situação catastrófica da fé como a disseminação do pecado e a corrupção dos costumes) colocava tudo, por difícil que se parecia, em uma situação que só um milagre poderia resolver. Esses milagres eram esperados. Havia a crença na volta tão esperada do Rei de Portugal D. Sebastião que a quase dois séculos havia desaparecido em batalha, mas no entanto apesar de tanto tempo sem qualquer notícia sua, haviam muitos que o aguardavam para tomar seu lugar ao trono. Muitos pensavam que a volta do Messias como se prega nos livros do novo testamento estava próxima, pois os sinais estavam claros.
Os judeus, muitos sobre o manto de cristãos novos esperavam a vinda do Messias pregado em seu livro sagrado, e a crença de que nem todas as profecias do antigo testamento não haviam acontecido era tido como prova da sua iminente vinda.
Henequim acredita que o Paraíso Terreal fica no Brasil e que ali era o lugar destinado a construção do Quinto Império. Ele intenta em um ato que seria considerado de “lesa majestade”, imbuir o irmão do Rei de Portugal a assumir o propósito de criar no Brasil um Império forte, destinado a ser o mais forte do mundo, onde certamente as tribos de Israel desaparecidas ou espalhadas no mundo poderiam se encontrar e ajudar na formação desse Império fadado ao sucesso. As muitas lendas, e ou fatos que não puderam ser documentados a respeito da localização de membros destas tribos ajudaram a aumentar a especulação dos visionários da época e certamente serviram de fermento para rebeliões, ou construção de teorias a respeito da vinda do Messias: como por exemplo, o sabatismo, o sebastianismo e outras.
Pode se dizer que as Minas Gerais Setecentista da época onde se descobriu o ouro e este era encontrado com abundância e facilidade, era um palco de revoltas, crimes e pensamentos que desviam do que era considerado politicamente ou religiosamente corretos dos estabelecidos e enaltecidos pela metrópole. O conde de Assumar que o diga, pois no período em que fora Governador das Minas Gerais teve que lutar contra muitas revoltas. O próprio Conde de Assumar percebia o caráter sedicioso dos habitantes das Minas. O ouro por intermédio da fortuna por ele trazido fazia com que pessoas dos mais variados níveis econômicos e sociais viessem até as Minas Gerais, na esperança de se enriquecer ou aumentar mais ainda seus cabedais. Nestas paragens vieram por os pés várias pessoas com os pensamentos mais diversos e que tiveram contato com o minerador Henequim. Essas pessoas contribuíram enormemente para a formação do Arcabouço do imaginário milenarista de Henequim.
Sem dúvida, o que o levou a fogueira da Santa Inquisição, o nosso personagem, foi as heresias por ele professadas. O fato de ele querer influir ou conspirar junto com o Infante D. Manuel, foi relegado a segundo plano mesmo porque isso não se efetivou. É claro que não seria desejável que todos soubessem que havia uma intenção de conspiração contra o rei, pois isso abriria um processo investigativo que deveria ser entregue ao braço secular da lei a fim de levantar todos os fatos e pessoas envolvidas neste propósito. Seria, portanto, melhor para a coroa portuguesa não alardear que o próprio irmão do rei era um desejoso de poder e que para isso ousava conspirar até mesmo dentro dos domínios reais. Além do mais as heresias encontradas no pensamento de Henequim eram mais que suficientes para queimá-lo na fogueira. Entregá-lo ao braço secular da lei abriria um debate, suspeitas, especulações a respeito de pessoas que ocupavam altos cargos e o resultado não seria bons para estes. O melhor que se tinha a fazer era queimá-lo como heresiarca.
Adriana Romeiro deixa nos claro que não havia um pensamento uniforme dentro da Igreja. Havia padres, religiosos e pessoas comuns que entendiam a religião de forma diferente. Nisso a Santa Inquisição parece ser um meio nem sempre eficaz para manter o pensamento dominante, considerado o correto.
Apesar de várias pessoas terem sido queimadas pelo fogo da Santa Inquisição, isso não garantiu que os que a ela escaparam mudassem seu pensamento. Só fez com que as pessoas que pensavam diferente do considerado certo tomasse mais cuidado ao emitir opinião sobre qualquer coisa.
A autora fala também da participação de Henequim na guerra dos Emboabas e sustentam que todos os emboabas, ou seja todos que não eram nativos do Brasil, estiveram envolvidos direta ou indiretamente nesta guerra, cujos os motivos era a disputa pelas minas de ouro.
Henequim é um personagem real, que nos mostra a heterogeneidade do pensamento da época e os conflitos religiosos que se propagavam em seu tempo. Ele é um fruto de seu tempo, mas que está além dele. Seu pensamento é diferenciado da grande maioria de homens de seu tempo. Ele é um homem ambicioso e que com muita coragem, mesmo diante da possibilidade de perder sua vida pelo que peso de suas opiniões nunca volta atrás no que ele diz.
Através da análise do personagem Henequim, Adriana Romeiro, busca relações com o mundo e as pessoas da época, inclusive as elites. Mostra-nos que o mundo parece pequeno quando aparece idéias ambiciosas como as deste astuto e corajoso personagem. Apesar de os meios de comunicação da época serem precários a difusão de idéias era bem rápida.

Bibliografia:
ROMEIRO, Adriana. Um visionário na corte de D. João V. Revolta e milenarismo nas Minas Gerais. Ed. UFMG.. Belo Horizonte. 2001.














Geraldo Henrique de Mesquita.
[1] Página 28. Um visionário na corte de D. João V: Revolta e milenarismo nas Minas Gerais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Qual o seu comunicador instantâneo preferido: