terça-feira, 13 de maio de 2008

Caminhos e fronteiras: a visão de um paulista.


Caminhos e fronteiras: Sérgio Buarque de Holanda, 1902 – 1982.
3ª ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 1994; 300 pág.


O livro aborda as três matrizes da formação do povo brasileiro: o índio, o branco e o negro, apesar de falar pouco a respeito do negro. Mostra a contribuição de cada um na construção ideológica e cultural de nosso povo. Pretende analisar um período de tempo que vai do descobrimento ao século XVIII; observando a expansão territorial brasileira e dando maior enfoque e valorização na contribuição paulista para a cultura, desenvolvimento e desenrolar da história brasileira.
O autor divide o livro em tópicos onde busca alcançar com a utilização de literatura, observações e pesquisas pessoais, além de fontes disponíveis, um estudo às vezes minucioso, outras vezes bem geral sobre tais tópicos.
Podemos entender que o autor sendo paulista valorize mais, e até tenha mais acesso as fontes que tratem do assunto que aborda, a fim de que o trabalho seu ficasse mais completo precisaria de mais tempo, viagens e recorrer a outras fontes.
No entanto apesar de mostrar de certa forma uma visão parcial que supervaloriza a participação paulista, ele nos brinda com reflexões, importantes sobre a nossa cultura, o desenvolvimento econômico nos primórdios do Brasil, problemas enfrentados, permanências e mudanças culturais, de forma de trabalho e até tradições que ao longo do tempo sobrevivem com poucas mudanças.
Sérgio Buarque de Holanda, neste seu livro lança seu olhar através do tempo, tendo como filtro as fontes que escolhe. Lança seu olhar, sobretudo a respeito da vida material do povo ao longo do tempo, na especificidade, do tempo que escolhe para marcar seu espaço de análise, nos trazendo um importante tributo a nossa história. Vemos bem que o brasileiro aqui mostrado é alguém que aprende com o meio em que vive. Para a sua sobrevivência se adapta as condições, mais adversas, onde busca no outro contribuições para o seu meio de vida. O homem lançava mão do conhecimento adquirido graças a observação constante da natureza, que o tornava apto a escolher o momento e a época certa para o plantio, para a colheita, a madeira certa para a construção de suas humildes casas e canoas, a pressentir um tempo bom ou mau que estivesse por vir. Vemos claramente, que o que somos o que comemos, a nossa cultura, é um resultado da mistura que nos faz um povo único.
Sérgio Buarque tenta contemplar os vários aspectos da vida cotidiana, e como os habitantes desta terra, faziam para enfrentar as dificuldades materiais que eram postos a prova a todo o momento. Parece-nos que o homem branco que aqui veio parar aprender, fez muitos usos das técnicas e conhecimentos indígenas, bem como na impossibilidade de poder fazer com que sua vida material se se torna mais amena, viu-se obrigado e de certa forma prontamente adaptado a essa nova situação: o homem branco que noutras paragens estava acostumado a andar sempre calçado, a trilhar caminhos bem desenhados na geografia do seu meio natural, aqui não andava calçado, habituado como fora, forçado pela necessidade, seguia as trilhas indígenas, busca os recursos que os índios graças a sua habilidade e ao contato natural que tinham com os meios naturais, para poder sobreviver, fazer suas conquistas, suas entradas no sertão, em lugares que de nada valia os seus conhecimentos de civilizados, cumpriu lançar mão da natureza e aprender com ela.
Assim podemos perceber que o homem branco se tornou de certa forma, um novo ser, um ser moldado pela necessidade, onde seu corpo, seus pés e suas mãos eram ferramentas e instrumentos que se adaptavam, ao solo, aos espinhos, as necessidades impostas pelo meio.
É nos apresentada a cultura indígena, que de uma forma ou de outra contribui e influi na maneira de viver, nas crenças, costumes, alimentação e outros aspectos da vida material e cultural. Elementos folclóricos, alimentos como o milho, a mandioca, o mel, o uso da cera, a construção de canoas, a forma de se guiar no meio do mato, remédios, lendas, tudo isso e muito mais faz parte da nossa constituição social e cultural e jamais pode ser dissociada do aprendizado da nossa gente.
Problemas como a falta de água em uma marcha? Bambus, cipós, raízes resolviam com a água acumulada em seus interiores. Esta é mais uma técnica aprendida com os índios. Além do mais os índios como moradores desses rincões conheciam o meio onde viviam e exploravam ao máximo os recursos disponíveis. Não podemos também esquecer de técnicas agressoras do meio-ambiente como a coivara, que é sem dúvida umas das maneiras de se limpar a terra para plantar que os agricultores brancos copiaram dos índios.
Ainda se pescava com espinhos tortos, quando de Portugal, se faziam encomendas de anzóis de ferro para a pesca.
Não nos esqueçamos do mel (que o homem branco aprendera com o índio de acondicionar as colméias em cabaças para facilitar o transporte e o manuseio e retirada do mel, em espécies como a jataí) e da cera e suas utilidades nos primeiros tempos do povoamento do nosso Brasil: a utilidade para adoçar os alimentos do mel, como remédio, como iguaria alimentar e a cera para a iluminação os rituais, para encerar os tecidos tornando os impermeáveis a água da chuva. Prova dessa utilidade é que ainda hoje apesar de ser de forma mais organizada e trabalhada o mel constitui fonte de renda, e não se encontrou um alimento natural com poderes terapêuticos similares.
Se bem observarmos a base da alimentação humana no Brasil continuam sendo os mesmos alimentos: mandioca, milho, feijão, batata, o trigo, açúcar, arroz. No caso do arroz houve uma maior generalização de seu uso apenas no final do século XVIII, quando se encontrou espécies mais produtivas e ele se aclimantou-se bem as várzeas paulistas. Sem falar das iguarias do bugre que para o homem que vivia sempre em meio a viagens e deslocamentos, tornou-se fonte de energia, como os pinhões, araticuns, pitangas, etc. O autor nos mostra de uma forma simples a trajetória desses alimentos no cardápio dos brasileiros, ao menos os da região por ele abordada (São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Paraná). Nos primeiros tempos vimos que houve dificuldades para a implantação de alguns como o trigo que aqui era usado da mesma maneira que o milho, até que se se torna uma cultura tão presente no centro-sul de nosso país.
A caça e a pesca sempre foi uma maneira importante de se conseguir alimentos utilizados pelos nossos antepassados para saciar a fome. Na impossibilidade, de muitas vezes não poder esperar os frutos da lavoura e devido a grande mobilidade da população quer indígena ou branca, se torna imprescindível a caça e a pesca bem como a coleta dos frutos e frutas que a natureza oferecem a essa população semi-nômade. Como podemos observar nesse livro, grande parte das armadilhas, técnicas de caça e termos de caça foram apropriados dos índios, os primeiros habitantes desse chão.
O homem branco em suas incursões no mato a fim de fazer novas descobertas ou trilhar caminhos já conhecidos se usava algum arma de fogo como o arcabuz, por exemplo, tinha que contar com a sorte da umidade não contaminar esse meio de proteção ou ataque conforme o caso e via-se na eminência do gentio da terra lhe superar dado a conhecer melhor o terreno e mesmo dispondo de somente arco e flecha lhe surpreender e ter mais vantagem dado a facilidade do manuseio de rudimentar artefato que poderia indubitavelmente fazer pontaria e atirar cinco ou seis flechas enquanto este outro ainda estivesse no primeiro tiro, sem falar, que com o expediente do branco dificilmente se faria surpresa devido ao tamanho e ao ruído da arma.
Para a defesa, o paulista, como bem diz o autor, para se prevenir das estocadas das flechas contrárias em suas incursões à busca de ouro, índios, ou andanças a busca de alguma caça souberam fazer do couro da anta proteção contra as flechas. Essas couraças que serviam para resguardar o peito, às vezes também as pernas e braços eram revestidas de algodão da terra. Este algodão da terra acabou-se por sobrepor-se ao importado que inutilmente até o século XVIII o europeu tentava substituir por outro que vindo da Europa era mais precoce, mais tinha a desvantagem de ter que se plantá-lo anualmente enquanto o algodão arbóreo natural do Brasil no segundo ano continuava se desenvolvendo e produzindo.
A população que seguramente no período tratado pelo livro que em sua imensa maioria habitava os campos e estava acostumada para prover seu sustento, seu agasalho, sua comodidade, apreender do índio técnicas primitivas que possibilitaram à criação da manufatura dos tecidos rústicos de algodão, os panos, as redes e outros objetos que se usava de ordinário o algodão faziam o necessário para a sua manutenção. Apesar de haver proibição régia para se fabricar tecidos finos, mais bem acabado a gente do interior acostumadas com a intempéries do clima e as condições insalubres do meio em que viviam isso a eles pouco ou nada afetou.
Para o tratamento de moléstias o sertanejo muitas das vezes utilizou como ainda utiliza hoje de alguns remédios, ervas ou atitudes que não poderemos dizer dado a mistura que se tem se é de origem indígena ou européia. O que sabemos é que os três elementos que constituíram o povo brasileiro contribuíram para a formação do folclore, coisa que torna o brasileiro um ser único. É certo como nos fala o autor que houve pelo menos em muitos rincões dificuldade em se impor uma língua puramente portuguesa, pois os homens que aqui viviam estavam acostumados a usar o linguajar onde se encontrava traços de todas as culturas aqui representadas: a nativa, a européia e a africana. Tanto é que são conhecidos a influência inclusive nas superstições que recebeu nosso povo a crença em mau olhados, a crença em castigo divino, etc. encontrado em nosso povo. Isso se dá também pela influência da igreja católica no nosso meio que desde os primeiros tempos esteve presente.
Os jesuítas tiveram sua grande colaboração à medida que fazia a ligação do índio sua cultura e a cultura branca. O jesuíta e o branco em geral ensinavam, mas também aprendiam com o índio. E de notório saber que o jesuíta procurava se inteirar da cultura indígena e da sua língua antes de começar a catequese.
O nosso autor não cessa de citar suas fontes como Hans Staden que descreve em pormenores a sua experiência de vida entre os índios do Brasil, pecularidades como o estrago que o bicho de pé fazia nos pés dos nativos pelo descuido de dar-lhes tratamento adequado. É bem certo também o quanto o europeu temia os mosquitos e as doenças causadas por algumas espécies deles que acometeram de morte muitos brancos, índios, escravos nas incursões de reconhecimento de terra, na ida pelos rios até o Cuiabá, que deixou muitas vitimas pelo caminho, mas que apesar de saber dos males que corriam por esse trajeto ele ainda era preferível que o trajeto por terra que certamente seria pior porque ainda além das auguras do clima, e os malefícios de doenças ainda teriam que enfrentar índios bravios.
Não podemos nos esquecer do privilégio tido pelas pessoas mais velhas entre os índios, que nos mostra o respeito que nos falta a nossos idosos. Os idosos entre os índios são tidos como sábios como detentores da sabedoria necessária à vida, conhecedores de remédios, sortilégios e são memória viva dos antepassados.
Passagem interessante do livro é donde fala dos peões e tropeiros, da utilidade do tropeiro no pequeno comercio que se verificava na América Portuguesa por serem eles que vendiam elementos necessários à vida, pelo menos a quem podia comprar como o sal, algum tecido, alguns itens da botica médica sertaneja. As primeiras estradas e lugares de passagem por tortuosos que eram e de difícil acesso, também por serem estreitos dificultavam a passagem de homem a cavalo, por isso na grande maioria das vezes era preferível fazer se marcha a pé e com auxilio de escravos ou até mesmo índios domesticados, conduzir a carga necessária à viagem e se transportar instrumentos necessários à vida sertaneja. O cavalo só tornou-se recomendável, com o tempo à medida que as estradas se tornaram mais largas e transitáveis, sem esquecer que nem sempre havia lugar para adquiri-los e sua manutenção era custosa.
Dentre os instrumentos agrícolas que auxiliam o homem do campo nas suas tarefas mais rotineiras como preparar o milho para fazer a canjica, o arroz que deveu sua utilização já um pouco mais a frente no segundo século da exploração e habitação de portugueses no Brasil, o monjolo foi importante. Encontrava-se como ainda há poucos anos se encontrava em pontos isolados, vários modelos deste instrumento de origem asiática, movidos com a utilização da água ou com a interferência direta humana. As quedas de água que o nosso país é pródigo veio em boa hora no auxilio deste instrumento que tem lugar cativo na historia cabloca. O monjolo auxiliou muito o homem sertanejo no preparo de cereais para a alimentação humana, tanto é que dada à facilidade de seu uso para o preparo do milho para se fazer a farinha de milho, tornou esta farinha preferível a de mandioca, talvez pelo seu sabor diferente, mas certamente pela facilidade maior de se preparar este alimento que fazia parte da ração essencial humana, entrando como artigo indispensável no preparo de alimentos de valor nutricional importante. Na página 147 encontramos um pequeno trecho que nos fala de alimentos importantes nas incursões bandeirantes, não só pelo valor nutricional como também pela facilidade de preparo. Esses artigos essenciais acrescidos de frutas e alimentos encontrados na natureza constituíam uma dieta razoável para o bandeirante.

...Esses produtos, e particularmente o feijão, que era o panem nostrum quotidianum dos navegantes, segundo um deles, compunham, com efeito, a base de toda a sua dieta. A farinha servia não só para as refeições principais, mas ainda, se de milho, para o preparo da jacuba, beberagem indefectível nessas jornadas. Para completar recorriam aos pescados também aos palmitos, frutas e caça, que se apanhavam geralmente a tarde, quando as canoas embicavam pelos barrancos, ou de manhã, antes de prosseguir a viagem.

Houve tentativa da parte dos governantes em tentar impor certo gosto alimentar, tentativa que não deu em nada, como a de certa forma querer obrigar no estado de São Paulo, aos agricultores de plantar o trigo, só futuramente nas várzeas sulinas essa cultura encontro bom êxito e agricultores que se interessasse em plantá-la.
As incursões bandeirantes paulistas segundo parecem ao autor, junto com a criação de gado, foram elementos essenciais para a expansão territorial do nosso Brasil. Os bandeirantes estavam na maioria das vezes à procura de minas de ouro, que após seu esgotamento acaba por fixar a população nestes locais. A agricultura era desprezada por esses garimpeiros, pois procuravam seu sustento enquanto continuavam iludidos com o ouro nas matas e nas poucas reservas que levavam consigo e quando não tinham outro remédio plantavam algum alimento como o feijão e o milho dado a sua rapidez para fornecer o sustento. Essas minerações foram responsáveis pelo deslocamento e pelo povoamento de áreas antes não penetradas. Os rios como o Tietê e o Paraná foram importantes vias fluviais para o deslocamento e para facilitar o povoamento de novas áreas. Estes rios como também seus tributários serviam de rota e de bússola para que esses intrépidos bandeirantes não se perdessem e organizassem melhor suas bandeiras.
A agricultura dava poucos resultados, não houve alguma melhora enquanto não houve a introdução de alguns instrumentos agrícolas metálicos como o arado e a charrua para preparar a terra. E claro que esses instrumentos agrícolas tiveram que sofrer algumas adaptações para poderem melhor servir ao clima, a técnica agrícola, e as terras do nosso Brasil. A respeito da tentativa de se fabricar instrumento metálico que pudessem auxiliar na nossa agricultura, Sergio Buarque de Holanda, nos faz referencias aos engenhos de se preparar o ferro em lingotes para que os ferreiros pudessem fazer as ferramentas indispensáveis. Essa tentativa se esbarrou na imperícia dos investidores e donos do engenho, a falta de pessoas qualificadas para lidar com os fornos catalães, o alto custo do metal ao consumidor final e porque não dizer o pouco interesse das pessoas governantes. Devido a isso se tornava lamentavelmente mais favorável importar artigos metálicos. Enquanto isso Portugal que deveria fornecer esses artigos não possuindo indústrias que manufaturasse tais artigos ou não os tendo em quantidade suficiente era obrigada a recorrer a grande potência da época: a Inglaterra.
O homem brasileiro nestes primeiros séculos de civilização, não estava acostumado a luxos, tanto é que preferia usar de redes ao invés de cama a tal ponto de se considerar a cama um artigo de luxo digno somente de pessoas nobres ou muito ricas. É certo que a população dos primeiros tempos em sua boa parte estava em mais contato com a natureza e era mais móvel por isso o uso da rede que era de mais fácil transporte e nos climas mais quentes era melhor aceita. O autor nos relata usos da rede carregada por índios ou escravos até como meio de transporte para pessoas mais ricas para se moverem em lugares de difícil acesso que as preferiam aos cavalos.
O comércio estava quase que sempre restringido a produtos de primeira necessidade, já que os habitantes nestes primeiros séculos de colonização como trata o livro, produziam basicamente todos os gêneros necessários à subsistência. O que era comprado ou trocado era o que faltava ou não havia meios de se produzir no meio onde se vivia. Havia um comércio de importância que não podemos desprezar, mas só que apenas entre as pessoas de posses que poderiam se dar ao luxo de comprar algo mais do que o trivial para a subsistência: Como instrumentos para a agricultura, tecidos finos, algumas jóias ou algum outro objeto. A maioria da população que naturalmente vivia no meio rural e eram constituídos de pessoas com poucas posses, escravos e índios não tinham como adquirir estes bens.
O livro é bom, peca somente pelo excessivo zelo e valor exarcebado dado à contribuição paulista, esquecendo-se ou não dando espaço a outras localidades. O Brasil deve ser um conjunto de atributos constitutivos onde todas as unidades federativas encontrem o espaço para mostrarem seu valor. O livro trata apenas de uma região do Brasil, seus usos e costumes na vida material durante um lapso de tempo.
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