sexta-feira, 9 de maio de 2008

O queijo e os vermes


O queijo e os vermes
FUNEDI/UEMG/ISED
Disciplina: História Moderna.
Professor: Leandro Pena Catão.
Aluno: Geraldo Henrique de Mesquita.
Novembro de 2007.


Resenha: O queijo e os vermes.
Autor: Carlo Ginsburg
Editora: Companhia das Letras. 256 páginas.
1º Edição Companhia de Bolso. 2006

O queijo e os vermes: Uma visão de mundo. A religião sobre análise.

Como mesmo diz o autor “Este livro conta a história de um moleiro friulano – Domenico Scandella, conhecido por Menochio – queimado por ordem do Santo Ofício, depois de uma vida transcorrida em total anonimato”. Menochio nascera em 1532 e morreu em 16 de Julho de 1601.
Mas o mesmo não podemos dizer a respeito do anonimato de Menochio, pelo menos o anonimato póstumo. Carlo Ginsburg, com este livro tornou publico e por que não dizer notório, a existência de Menochio. Temos agora em mãos ao alcance de muitos um relato verídico, pelo menos até onde os documentos podem dar sustentação, de uma existência, de flagrantes de um pensamento de um moleiro, que mesmo de profissão simples, mesmo que tenha viajado pouco, teve contato com leituras e não saiu desse contato imune, com novas idéias.
É licito dizer que Menochio era um homem de coragem e sustenta suas opiniões. Além disso, é um leitor que interage com o que lê, através de suas experiências pessoais, seu raciocínio, reflexões. Não é um leitor passivo que apenas absorve a sua leitura, sem passá-la por nenhum filtro.
Temos através desse livro um retrato mesmo que não muito completo da leitura dos camponeses naquela região que hoje chamamos de Itália, o que liam, como liam, como conseguiam os seus livros, se haviam muitos leitores e o papel desses livros na cultura desse povo.
Vimos que a religião fazia parte da vida das pessoas como uma lei que as governava em tudo. O mundo neste contexto não era um mundo livre, onde se podia dizer o que quer, onde podia debater idéias livremente, impunemente.
A Igreja, após a reforma religiosa, procurava firmar as bases do Catolicismo, e se valia para isso de convenções como as do Concilio de Trento, que normatizava a vida dos religiosos e as pessoas do povo, havia uma espécie de cartilha a ser seguida. A vulgata da Bíblia, após o movimento Luteranista, que se originou e se evolui a partir da Alemanha, aliada a imprensa, ajudou a difundir conhecimentos antes restritos apenas a uma parte do clero. A cultura popular era sobretudo oral.
Com um número pequeno de pessoas que sabiam ler ou que podiam ter acesso a leitura, mesmo a imprensa estando em desenvolvimento e o preço dos livros haverem caído substancialmente, o quadro que desenha a cultura no principio da Idade Moderna é de uma imensidão de analfabetos. A Igreja tentava controlar a todos, não deixando que o seus dogmas e doutrinas fossem discutido e colocados em dúvida. Temia-se que os cristãos perdem-se a fé. E quem quer que seja que aparecia com idéias diferentes daquelas pregadas pelo Padre no púlpito era considerado um herege, contra ele se armava o mundo. Não faltavam delatores, como vimos no caso de Menochio, um moleiro que discutia suas idéias em público, que não aceitava dogmas impostos pela Igreja, que percebia a pompa da Igreja, que via o ódio religioso proibidor de se seguir a crença que quisessem, era um perigo para a comunidade cristã estabelecida. Neste momento nem em sonho poderia se falar em alteridade. Na Igreja não havia espaço para opiniões diversas. Quem não seguia os passos determinados pela Igreja e ainda mais além disso proferia blasfêmia e heresias, tinha que se ver com o tribunal da Inquisição que neste momento tomava rumo, para crescer e tornar-se em estados como a França, Espanha, tempos depois, uma máquina a serviço do Estado para punir as opiniões adversas, principalmente no âmbito religioso. Não podemos nos esquecer que o Estado e a Igreja andavam em consonância nestes assuntos, até porque existia uma religião oficial em qualquer Estado constituído. A Igreja julgava se no direito, como era de fato, a disciplinadora, de condutas. Quem não pudesse ou não quisesse andar conforme suas determinações estava excluído do convívio social, teria que prestar conta por suas opiniões e pensamentos. O tribunal de inquisição estava de olhos e ouvidos abertos para apurar qualquer fato ou boato que viesse contra os dogmas e verdades da Igreja. Não se podia relativizar, as opiniões, a fé, era um campo onde se refletia sobre algo tendo o como verdade absoluta, sem dúvida, sem engano, sem margem para erro.
Além da pena capital, morte na fogueira, conforme o caso e como o tribunal decidisse, havia ainda pena de reclusão, penitências humilhantes, imposições de se deixar claro no vestuário que havia sofrido uma sanção eclesiástica em virtude de um erro.
Vemos claramente que Menochio era um individuo único em relação a outros do seu mesmo nível social. Isso se dá devido a suas idéias e formulações. Pode se dizer que era um sonhador, que sonhava com um mundo melhor, sem tantas diferenças sociais, com liberdade religiosa, podendo manifestar e debater publicamente idéias sobre o que se pensa. Para demonstrar a sua opinião sobre a liberdade religiosa, dizia que o Cristianismo primitivo, não perseguia a outros povos, de religiões diferentes, e exemplifica mostrando a sua opinião, que nascera cristão, seu pai era cristão, seu avô era cristão por isso continuava cristão, se fosse turco, seus pais e avôs fossem turcos se manteria nessa posição. Vê-se claramente a força da tradição no que se refere à escolha de religião nestes tempos de Menochio. Na verdade não havia escolha, se era o que nascia a ascensão social e a liberdade religiosa não existia ou era quase que impossível que se atrevesse que pagasse o preço.
Menochio passara por dois processos no tribunal de inquisição. Do primeiro ele escapa ileso por não se juntar provas suficientes e por o tribunal aceitar o seu pedido de perdão. No segundo ele é julgado culpado pelas acusações de heresias como negação da divindade de Jesus, da virgindade de Maria, da negação de alguns sacramentos, da tese de equivalência de todas as fés dizendo que todos devem se salvar judeus, turcos, pagãos, infiéis, por negar também a existência de Deus e acreditar na mortalidade da alma.
Lendo o livro de Ginsburg chegamos a conclusão um pouco diferente dos juízes de Menochio, percebemos que ele acredita que Deus existe, mas acredita de uma forma um pouco diferente, como acredita na natureza, como que acredita em alguém ou algo, que é parte integrante da natureza, com um intelecto superior, capaz de realizar tudo. A ligação de Menochio com a religião parece-nos uma ligação natural, de quem acredita nas leis naturais do mundo, nas possibilidades do mundo, sem preconceitos, com liberdade, sem leis rígidas e inflexíveis.
O autor elenca uma serie de livros que de acordo com os documentos pode se provar que Menochio leu ou teve contato de alguma forma com eles. Neste período os livros circulavam entre as pessoas relativamente muito mais do que hoje. Os amigos emprestavam livros uns aos outros e um livro ou outro o leitor acabava comprando quando podia. Lia se os livros mais de uma vez e minuciosamente aplicando-lhes é claro o filtro da cultura pessoal.
Menochio leu livros como As viagens de Mandeville, Il fioretto de la bibblia. O primeiro como diz o título trata das Viagens de Mandeville, fala de civilizações que são encontradas no caminho até as Índias, de costumes, crenças, religião desses povos. É um livro que contém muitas fantasias que preenchem as lacunas das dúvidas e incertezas do autor, fala de seres animalizados que habitam ilhas que ficam no itinerário das Índias. O segundo parece ser um comentário livre sobre a Bíblia sobre diversas passagens bíblicas, parece ter a intenção de digerir a bíblia para leitores mais simples.
Estes livros dentre outros que Menochio leu ou teve noticias de alguma forma parecem ter feito um efeito de aflorar um sentimento critico latente deste, e ampliar suas indagações e reflexões.
O livro “O queijo e os vermes” vale a pena ser lido por historiadores, qualquer pessoa que se interesse por assuntos religiosos ou qualquer um que queira conhecer um pouco sobre a cultura religiosa agrária da Itália no século XVI.
Os temas tratados na obra não deixam de serem atuais e são capazes de produzirem reflexões importantes a respeito de alteridade, cultura popular, religião, costumes, leitura, etc.
É importante salientar que Menochio é uma figura singular de seu tempo, com um pensamento diferente de seus iguais. Uma pessoa como ele, com suas idéias não tinha espaço para se expressar. Ninguém compartilha o seu pensamento na aldeia de Montereale, onde viveu.
Cabe a nós que nascemos séculos depois de Menochio fazer o seu julgamento? Será que o julgaríamos inocente? Daríamos a ele a oportunidade de falar, de expressar todas as suas idéias e sentimentos?
O que é certo é que o diferente dificilmente encontra espaço para se sobressair mesmo na sociedade de hoje em dia que talvez não faça tanta segregação religiosa, mas por outro lado segrega sexualmente, politicamente, tira a voz dos menos favorecidos.
Para finalizar: A inquisição não acabou a perseguição às bruxas, aos contrários, o uso da força, da manipulação ainda continua com métodos até mais sofisticados, métodos de exclusão e dominação.
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Geraldo Henrique de Mesquita

2 comentários:

  1. Olá cara,
    Legal saber que existe um blog semelhante ao meu, por isso resolvi te seguir visite o meu, que sabe não podemos troca mensagens.
    http://humanusinteligentis.blogspot.com

    abraço

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  2. Fico feliz por este ser um de meus posts com maior número de acessos. Isso prova que a História faz parte do repertório de gostos de muita gente ainda. Pensando nisso, vou procurar publicar mais assuntos referentes a livros, sites e outras coisas.

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